Este blogue descreve os habitats e testemunha a grande biodiversidade que existe no "Triângulo do Cabo Mondego" - que abrange a área do Estuário do Rio Mondego - Serra da Boa Viagem e Cabo Mondego com recifes - Praia e Dunas de Quiaios e Lagoas de Quiaios. Também pretendemos focar o "habitat" social e ambiental da espécie humana, sobretudo nas suas condições em Portugal.

Sunday, July 14, 2013

Reintrodução de pastoreio na Serra da Boa Viagem ?

"Reintrodução de pastoreio e recuperação de pastos antigos na Serra da Boa Viagem" no âmbito de uma conservação do Ambiente e de Agricultura tradicional - um projecto para o futuro.


Horst Engels
(Associação Trilhos d'Esplendor)
(19.02.2012)

A Serra da Boa Viagem situa-se por norte de Figueira da Foz - com prolongamento no Cabo Mondego. Ainda mais para Norte começa o cordão dunar de Quiaios, Mira, Gândara e Gafanhas. Esta serra com calcários e margas do Jurássico Médio e Superior é conhecida pela sua riqueza florística e pelo seu valor geológico com espólio rico de fósseis (incluindo algumas pegadas de dinossauros).

Menos conhecido é o valor que esta serra possui pela existência de prados do tipo "Prados rupícolas calcários ou basófilos" (habitat 6110 da classificação do Plano Sectorial da Rede Natura 2000) e "Prados secos semi-naturais e facies arbustivas em substrato calcário (Festuco-Brometalia) - importantes habitats de orquídeas" (habitat 6210 da classificação Plano Sectorial da Rede Natura 2000).

Sobretudo os prados semi-naturais da Serra da Boa Viagem devem ter a sua origem pelo pastoreio por gado de ovelhas e cabras, pastoreio que na encosta norte acima de Murtinheira deve ter sido bastante intenso há quase um século atrás. Um pastor desta época contou que tinha cerca de 80 peças de gado na altura.


Vista panorâmica da Encosta Norte da Serra da Boa Viagem




Fig. 1 Encosta Norte da Serra da Boa Viagem (contornado em vermelho: as falésias da serra com mosaicos de prados rupícolas (habitats 6110) intercalados com manchas de prados secos semi-naturais (habitat 6210) no alto da serra; contornado em verde:  manchas de prados secos semi-naturais (habitat 6210) na meia-encosta da Serra da Boa Viagem)










Os habitats 6210 e 6110 na encosta Norte da Serra da Boa Viagem
Esta actividade do pastoreio já não existe na Murtinheira e em Quiaios hoje em dia, nem a pesca artesanal com barcos de madeira que se praticava até há pouco nas praias da freguesia de Quiaios.

Neste momento a agricultura desta freguesia concentra-se numa exploração silvícola e limita-se quase totalmente à plantação de pinheiros, choupos, cedros e do eucalípto.

No entanto, biótopos como prados secos semi-naturais com dominância da gramínea Brachypodium phoenicoides podem facilmente desaparecer com o desaparecimento do pastoreio caso de não haver outros factores que regulam o crescimento de matos esclerófilos e/ou de arbustivos e árvores. Com este desaparecimento de paisagens antropogénicas desaparecem também muitas espécies de plantas e de animais que necessitam destes biótopos de formações herbáceas. Em caso dos prados secos são as orquídeas e muitos geófitos que aumentam a biodiversidade dos biótopos e dos ecossistemas em que estão integrados, até ao momento em que estes biótopos deixam de existir.

Parece que este empobrecimento florístico está a acontecer neste momento devido ao abandono do pastoreio e à introdução de espécies de árvores não-autoctonas na Serra da Boa Viagem. Além das diversas espécies de acácias (p.e. Acacia longifolia) e do eucalipto (Eucalyptus globulus), plantas de origem da Australia, foi provavelmente também introduzido há menos de 100 anos o Pinheiro-de-Alepo (Pinus halepensis) que está a invadir as encostas da Serra da Boa Viagem.

Fogos controlados são recomendados pelo ICNB para a conservação dos prados caso de não haver pastoreio, mas não são aconselháveis para a Serra da Boa Viagem devido à existência de aldeias e casas isoladas. Assim os prados semi-naturais (habitat 6210) frequentemente provenientes do pastoreio e/ou de fogos naturais ou controlados, parecem destinados a desaparecer na meia-encosta desta serra.
Nas falésias e nas partes mais altas com fortes declives da encosta, onde predomina uma vegetação rupícola (habitat 6110), a ameaça da invasão pelo Pinheiro-de-Alepo ainda não parece ser tão forte.


Pinus halepensis na Serra da Boa Viagem

Segundo o testemunho de uma pessoa idosa de 78 anos da Murtinheira, havia antigamente muito pastoreio por cabras e ovelhas na costa da Serra da Boa Viagem e a encosta era limpa. Segundo o testemunho da pessoa havia já o Pinheiro-de-Alepo na encosta da serra, mas em menor quantia do que agora. Perguntando porque, a resposta foi: "Porque havia fogos e pastoreio".
Também perguntei ao senhor se ele não achava boa ideia se houver uma reintrodução do pastoreio na Serra e nas encostas acima da Murtinheira?
Ele respondeu que sim, - mas não gostou de uma proposta à seguir de um envolvimento da Freguesia de Quiaios com um projecto comunitário de pastoreio.
Ele disse: "Isso é nosso e de mais ninguém". E a seguir disse correctamente: "Eu também não posso falar pelos outros".

Assim, não deve ser fácil tirar os medos e de convencer os habitantes da Murtinheira de um projecto comunitário para a conservação e recuperação dos prados da encosta.

Mas havia mais um argumento do senhor que também não é de desprezar. Ele disse: "...este pinheiro é pouco utilizado, mas tem uma madeira mais 'rija' do que o Pinheiro-bravo".
Na realidade, a madeira do Pinheiro-de-Alepo é utilizado como madeira de construção nos países de origem, sobretudo na Argélia e em Marrocos.


Distribuição nativa de Pinus halepensis na Região mediterrânica. (De: Wikipédia)


Vê-se que muitos idosos conhecem ainda bem e sabem factos importantes sobre a Natureza. E a conversa foi mais uma lição de boa aprendizagem para mim.

E talvez com boa vontade e sinceridade encontrava-se uma solução que servia para todos - para os habitantes da Murtinheira na medida que podiam começar a explorar melhor a madeira do Pinheiro-de-Alepo e que seriam indemnizados pelo aluguer de algum terreno da encosta na participação de um projecto comunitário de conservação dos prados valiosos da encosta da Serra da Boa Viagem. A Freguesia de Quiaios podia melhorar no âmbito do projecto o acesso às encostas da serra, criar emprego e assim fazer as obras de limpeza do mato, da conservação dos prados do habitat 6210 e criar caminhos e trilhos para caminhadas e para o turismo da região.

Para a recuperação e salvação do habitat 6210 dos prados semi-naturais com o espólio rico em orquídeas e geófitos propomos em primeiro lugar uma limpeza mequânica e tirada do mato esclerófilo como das árvores invasoras, mas também uma reactivação da actividade do pastoreio por gado cabras e ovelhas na zona "meia-encosta" da vertente norte da Serra da Boa Viagem, por um lado, para a protecção dos prados e do seu espólio de plantas em vias de desaparecimento, por outro lado, para a reactivação de uma actividade artesanal que aumentava o espectro das actividades agrícolas e o valor turístico desta zona permitindo o comércio de produtos de lã, leite, queijo e carne proveniente do gado de ovelhas e cabras.

Acompanhado por estudos científicos e de monitorização do desenvolvimento fitossociológico das pradarias, podia pensar-se também numa introdução experimental de ovelhas "selvagens", p.e. da Noruega (Lygra e Austevoll) ou da Escócia (St. Kilda), raças antigas, resistentes, pouco exigentes na alimentação e bem adaptadas ao clima atlântico que se mantêm sem vigia durante todo o ano no campo. As falésias formam uma protecção natural contra fugas ou roubos, cercas seriam nececessárias apenas abaixo desta protecção natural.

Ovelhas "selvagens" de Lygra, Noruega

Paisagem de fjordes e charnecas da costa marítima noruegesa  (Rogaland, Noruega)




Ovelhas "selvagens" em Skar (Austevoll), Noruega

Podia ser estudado também a possibilidade da introdução de um número reduzido de exemplares do muflão, Ovis ammon musomon, nesta área bastante restrita e bem delimitada da Serra da Boa Viagem, ovelha brava que ainda existe numas ilhas mediterrânicas como Córsega, Sardenha, Rodes, Elba e Chipre, além de ser neste momento o único bovídeo cinegético de Portugal (mantido numa reserva de caça no Alentejo).
Eles são agora raros nas ilhas mediterânicas, mas foram introduzidos com sucesso na Europa central, incluindo Alemanha, Áustria, República Tcheca, Eslováquia, Hungria, Bulgária e Romênia, e em alguns países da Europa setentrional, como a Finlândia. O muflão também foi introduzido nas Canárias.
O muflão é herbívoro e tem um espectro largo de alimentação. Como descasca e alimenta-se também de ramos de árvores, reduz a arborização eficazmente.

Ovis ammon musimom (De: Wikipédia)
Aqui o mapa da distribuição do muflão, Ovis ammon, na Europa:


De: EMMA Database

No entanto, uma retenção de uma arborização excessiva e de matos esclerófilos tem de ser por cabras que alimentam-se de pequenos arbustivos e de ervas e gramíneas de qualidade inferior; as ovelhas preferem na alimentação as gramíneas de boa qualidade.

Pastoreio na Serra de Janeanes, Coimbra

Pastoreio por cabras e ovelhas ao pé das "Buracas" de Casmilo

Pastoreio em terra ardida na serra da Peneda  (Foto de: Quito Arantes - no blogue: Alma Aberta (Pastoreio-de-cubalhao-lamas-de-mouro)

A Associação "Trilhos de Esplendor" já inventariou a maior parte da flora da Serra da Boa Viagem e disponibiliza esta informação com mais do que 5000 fotografias das espécies de plantas e dos habitats da serra numa folha de cálculo (Folha de cálculo) no blogue sobre a "Flora da Serra da Boa Viagem". O que nós parecia necessário para a viabilidade e o sucesso de um projecto científico seria naturalmente uma cooperação das entidades locais como a Freguesia de Quiaios e da Associação "Trilhos d'Esplendor" com as universidades e de outras instituições nacionais e/ou internacionais.



Fig. 2 Proposta de reintrodução de pastoreio por gado de ovelhas e cabras na meia-encosta da Serra da Boa Viagem (contornado em vermelho: as falésias com mosaicos de prados rupícolas (habitat 6110) intercalados com manchas de prados secos semi-naturais (habitat 6210); contornado em verde escuro: prados semi-naturais (habitat 6210) ainda existentes e contornado em verde claro: zonas potenciais de pastoreio).

Para a verificação das imagens no Google-Earth que indiquem o desaparecimento das pradarias na encosta da Serra da Boa Viagem, fizemos uma caminhada ao longo da encosta norte da serra. As observações feitas no campo confirmaram infelizmente as imagens obtidas no Google-Earth, na realidade a maior parte da encosta está já arborizada com Pinus halepensis e/ou coberto por pequenos arbustivos e matagal como Quercus coccifera, Ulex spec., Cistus spec., Phillyrea spec., Pistacia lentiscusSmilax aspera etc. (Habitat 5330 - mais especificamente o habitat (5330pt5) - Carrascais, espargueirais e matagais afins basófilos).




Manchas de prados semi-naturais e rupícolas com Brachypodium phoenicoides e com geófitos valiosos e endémicas da Península Ibérica ou mesmo da costa atlântica de Portugal como Iris lusitanica, Anthirrhinum majus ssp. linkianum e Iberis procumbens ssp. microcarpa já são bastante reduzidas e ameaçadas de desaparecer se não houver medidas imediatas da sua recuperação.


Opiniões

Opiniões

Por
Horst Engels

Recebi há uns dias esta opinião pelo email de um amigo. Realmente uma opinião muito interessante, aquela opinião do economista chinês. Mas eu penso que é apenas metade da verdade. Leem aquele que o Professor chinês acha sobre a sociedade europeia. Depois permito me dar a minha opinião também.



 Os europeus correm velozmente contra o muro


http://1.bp.blogspot.com/-3fLXWNjMaEE/TWH9oo0GTiI/AAAAAAAAKPM/NPPuA6Utqzs/s1600/Kuing+Yamang%252C+professor+de+economia.jpgOpinião de um professor chinês de economia, sobre a Europa - o Prof. Kuing Yamang, que viveu em França.

1. A sociedade europeia está em vias de se auto-destruir. O seu modelo social é muito exigente em meios financeiros. Mas , ao mesmo tempo, os europeus não querem trabalhar. Só três coisas lhes interessam: lazer/entretenimento, ecologia e futebol na TV! Vivem, portanto, bem acima dos seus meios, porque é preciso pagar estes sonhos de miúdos...

2. Os seus industriais deslocalizam-se porque não estão disponíveis para suportar o custo de trabalho na Europa, os seus impostos e taxas para financiar a sua assistência generalizada.

3. Portanto endividam-se, vivem a crédito. Mas os seus filhos não poderão pagar 'a conta'.

4. Os europeus destruíram, assim, a sua qualidade de vida empobrecendo. Votam orçamentos sempre deficitários. Estão asfixiados pela dívida e não poderão honrá-la.

5. Mas, para além de se endividar, têm outro vício: os seus governos 'sangram' os contribuintes. A Europa detém o recorde mundial da pressão fiscal. É um verdadeiro 'inferno fiscal' para aqueles que criam riqueza.

6. Não compreenderam que não se produz riqueza dividindo e partilhando mas sim trabalhando. Porque quanto mais se reparte esta riqueza limitada menos há para cada um. Aqueles que produzem e criam empregos são punidos por impostos e taxas e aqueles que não trabalham são encorajados por ajudas. É uma inversão de valores.

7. Portanto o seu sistema é perverso e vai implodir por esgotamento e sufocação. A deslocalização da sua capacidade produtiva provoca o abaixamento do seu nível de vida e o aumento do... da China!


8. Dentro de uma ou duas gerações, 'nós' (chineses) iremos ultrapassá-los. Eles tornar-se-ão os nossos pobres. Dar-lhes-emos sacos de arroz...

9. Existe um outro cancro na Europa: existem funcionários a mais, um emprego em cada cinco. Estes funcionários são sedentos de dinheiro público, são de uma grande ineficácia, querem trabalhar o menos possível e apesar das inúmeras vantagens e direitos sociais, estão muitas vezes em greve. Mas os decisores acham que vale mais um funcionário ineficaz do que um
desempregado...

10. (Os europeus) vão direitos a um muro e a alta velocidade...


Respondi o seguinte ao meu amigo que me mandou o mail:

Concordo em parte com a opinião deste professor. Mas era bom se os europeus e todos os restantes habitantes do mundo se interessassem verdadeiramente para a ecologia e praticassem a de forma sustentável.
A grande questão também não me parece o aumento da riqueza neste momento. A grande questão para mim parece ser o problema da demografia, portanto de Malthus. Eu acredito que Thomas Malthus teve razão com a sua teoria e que a população humana pode sofrer depois de atingir a plataforma com 10 biliões de pessoas uma grande queda devido ao esgotamento dos recursos naturais e provavelmente ao grau de poluição ambiental até aí obtido e causado. É isso que vai fazer sofrer a humanidade, não o (não)-aumento da riqueza. Alias, todos os sistemas económicos continuam com a falsa premissa de uma economia de crescimento contínuo, tanto a nossa como a chinesa; e viu-se novamente bem ontém no G20 quando os bancos foram novamente reenforçados para garantir a continuação do crescimento económico.
Alias, visto por um biólogo, o sistema económico parece ter muitas paralelas com uma cadeia alimentar - e neste momento tenta-se regular apenas os "top-predadores".
Mas uma cadeia alimentar não funciona de cima para baixo, mas de baixo para cima*. Por isso, onde se tem de começar é na base e não no top. Enquanto os políticos não percebem isso não há nada a fazer.
O relatório que está a sair sobre emissão CO2 é desastroso e por isso o aquecimento global vai ser muito mais rápido do que previsto. Não tenho dúvida que corremos um enorme risco de autodestruição, - mas não pela nossa preguiça, sim pela maneira como consumimos e como vivemos. A concentração de pessoas nas cidades, o abandono da agricultura tradicional, o uso dos automóveis, a mecanização e a informática e a crescente centralização dos poderes económicos que destroem emprego etc.


*Na realidade o modelo hierárquico da cadeia alimentar é ainda um modelo muito simplificado. O que parece existir é de facto uma rede alimentar com muitas não-linearidades e efeitos possivelmente caóticos no meio disso todo, portanto um sistema complexo, extremamente difícil de analisar (veja também: 1 - Palestre sobre linearidades e não-linearidades na Natureza e 2 - Palestre sobre subjectividade e objectividade nas Ciências Naturais). Os sistemas ecológicos e os sistemas económicos assemelham-se sem dúvida nesta complexidade.

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